sábado, 20 de fevereiro de 2016

Uma introdução à Filosofia para melhor nos entendermos


Ao falarmos em uma introdução à Filosofia, logo pode vir à nossa mente uma tarefa delicada, se nos deparamos com leigos no assunto, ou, mais comumente, leves toques superficiais em corpos extensos de conhecimento. À luz da filosofia de Hegel, uma filosofia como sistema, dividida em áreas específicas, nós podemos ver que o caráter introdutório em relação a essa disciplina fica bem longe de toda a dedicação demandada para quem deseja se aprofundar nela. Fala-se por aí, inclusive, que quem deseja dedicar-se à Filosofia precisa desligar-se daquilo que ocupa o seu tempo em demasia, caso não, o fracasso é garantido.  

Gerd Alberto Bornheim (1929-2002)
Gerd Bornheim (1929-2002), que foi um dos grandes representantes do existencialismo aqui no Brasil, em seu livro Introdução ao Filosofar, aproxima ainda mais as questões que permeiam a nossa vida, algumas bem sutis, da necessidade da reflexão teórica. Como sua descrição diz: “O pensamento filosófico em bases existenciais”, podemos sentir através da sua leitura que a compreensão do período em que o homem vai de uma ruptura do dogmatismo a uma postura crítica é o estopim da Filosofia desde a Grécia Antiga até os tempos atuais. Desta forma, para Gerd o historicismo não deixa de ter a sua importância para a atitude inicial do filosofar, uma vez que dele podemos dispor de grande material para pesquisa em vista da compreensão sociocultural do homem, já apontando a natureza da Filosofia, mas ele desfalece quanto à dimensão existencial humana que, apesar de tudo, é também fundamental para a historicidade.
            
         Ao longo das páginas desse estimável livro, podemos notar que a fenomenologia de Husserl é uma longa inspiração para Gerd. A nossa atitude inicial do filosofar está fundamentada no questionamento daquilo que é chamado de “tese geral”. Esta é dotada de três valores: um gnosiológico, isto é, daquilo que concerne ao conhecimento das coisas; um ontológico, que concerne a tudo aquilo que é, e um axiológico, ou seja, que concerne aos valores que nós atribuímos a essas mesmas coisas, objetos de nosso conhecimento.

Para o autor, o período dogmático, antes do questionamento da tese geral, consiste na plena aceitação por nossa parte de tudo aquilo que é instaurado no mundo circundante. Vivemos para cumprir rotinas, cumprindo prazos estipulados, em busca de honrarias, enfim, vivemos e o Outro é aquele que nos determina. Já diria Sartre: “O inferno são os outros”. Quantas vezes já não entrou em angústia o homem por não cumprir com aquilo que os outros esperavam da parte dele?

O que caracteriza o momento em que o homem recai em si sobre sua condição? Gerd diz: uma “admiração ingênua”. Essa admiração ainda não é o filosofar, mas um largo passo para ele. Aristóteles não nos diz no início de sua Metafísica que a Filosofia nasce do espanto?  Quando o homem se admira, recai em si, sobre aquilo que o permeia e sobre sua própria condição concomitante de sujeito e objeto de conhecimento? Questionando, o homem alcançará aquilo que Gerd aponta como “negatividade”. Um período crítico, de derrubada de valores, mas marcado por uma afirmação anterior. Vale também abordá-la, ainda que brevemente.

A negatividade é um momento de colapso, todos os valores atribuídos pelo homem às coisas que o permeiam se evanescem, ele vê apenas a si mesmo, aquilo a que sua consciência sempre intenciona está comprometido. Ele tem duas saídas: buscar uma compreensão de sua realidade, convertendo-se à Filosofia, ou, radicalmente, aderindo a um niilismo acentuado. Fala-se em afirmação anterior, pois para que tal condição ocorra, o homem antes precisou afirmar dogmaticamente a sua realidade, vivendo sem negá-la. Muito comum também nas ciências, o físico não questiona a tese geral, por exemplo. Gerd exemplifica muito bem através do romance sartreano A Náusea. A náusea para o personagem Roquetin nada mais é que a colocação em jogo de todos os valores seguidos por ele. Uma condição maçante, mas ao mesmo tempo necessária para uma compreensão geral da própria dimensão existencial em que ele se insere.

Outro ponto que vale destacar é quando Gerd reforça que quem estuda a Filosofia apenas para fins estritamente práticos, não vai compreender o que realmente o pensamento do autor pretende transmitir. Quem estuda algum autor ou área da Filosofia apenas para fins como obter um diploma ou aprovação em alguma disciplina na universidade (muito comum em disciplinas externas do curso de Filosofia e até mesmo internas) poderá compreender tudo, menos eles. A Filosofia, assim, desvincula-se de sua história. Não é feita de exterioridade, mas de interioridade. Quem estuda Spinoza apenas como um conjunto lógico de deduções compreenderá qualquer coisa menos a Alma de seu pensamento, de sua reflexão. 


Quanto a mim, como estudante de filosofia, a leitura desse livro está sendo marcante. Ela tornou ainda mais nítida a minha compreensão do que nos conduz à Filosofia. A necessidade que me levou a deixar a Medicina. Compreensão esta que até para quem há muitos anos já se ocupa da disciplina, ainda pode estar embaçada. Ainda mais por ideologias que criam uma espécie de nuvem que encobrem a própria dimensão filosófica. Que os faz sempre ter posicionamentos a priori acerca de qualquer coisa. Enfim, Gerd, felizmente, claro, nos torna ainda mais evidente a famosa afirmação de Kant: “Não se ensina filosofia, mas a filosofar”.

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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Brasil: a Filosofia, seu desenvolvimento e demais perspectivas: o olhar de Bento Prado Jr.


Relembrando as pesquisas realizadas até aqui, notei que muitos filósofos e pesquisadores, até mesmo que não são da Filosofia, como os sociólogos, empenharam-se em pesquisas, congressos e trabalhos para entender a situação da Filosofia aqui no território nacional. Pareceres e mais pareceres foram apresentados e muito discutidos. O ensaio de Bento Prado Jr intitulado “O problema da Filosofia no Brasil”, é mais um a abordar o tema e através do qual me inspirei para fazer este texto, além de me inspirar nas minhas próprias experiências com divulgação filosófica, sobretudo nas redes sociais.
Bento Prado Jr. (1937-2007)

Muitos já foram capazes de perguntar: por que não há uma ‘corrente de pensamento’ genuinamente brasileira? Ou, outra pergunta clássica: ‘Por que hoje não surgem mais filósofos como antigamente?’ O professor Bento Prado discorre que a ideia de uma filosofia nacional recobre habitualmente tanto um preconceito historicista quanto um preconceito psicologista. Mas, enfim, o que podemos pensar através desses termos? Remetendo ao historicismo de autores, entre eles Dilthey, podemos ver que a Filosofia é sempre pensada em forma de um ciclo temporal sucessivo, isto é, várias filosofias ou correntes filosóficas que se sucedem no tempo assim como as inúmeras frases que pronunciamos ao fazer um discurso. Para o autor, isso resulta em uma perda de autonomia em que o filósofo sempre abordará temas já estabelecidos e, assim, não se diferirá do ideólogo.

É óbvio que filosofia e ideologia claramente se diferem, a ideologia é sempre o que vem pela frente de um discurso ou propaganda, ao contrário do que o senso comum costuma dizer, e a Filosofia é como a Coruja de minerva de Hegel, levanta voo ao anoitecer. Mas para Bento Prado essas limitações dadas ao intelectual embasadas com o formalismo português e a sua pragmática deixam seu trabalho corriqueiro. Outro ponto que me atiçou foi quando ele ressalta que o filósofo brasileiro é um consumidor do pensamento estrangeiro, remetendo até mesmo à antropofagia da obra de Mário de Andrade.

Entretanto, partindo desse ponto de vista, isso não quer dizer que aqui não há o Existencialismo, o Marxismo, a Fenomenologia, a Lógica, sim, há! Mas em caráter de divulgação, onde os pesquisadores brasileiros são apenas consumidores da produção autenticamente europeia dos séculos precedentes às suas atuações. Outro ponto, que é de destaque, na análise das perspectivas de dois autores lusitanos (são eles: João Cruz Costa e Álvaro Vieira Pinto) é o caráter realista e pragmático exigido sobre o pensador brasileiro em que é fundamental o engajamento na realidade social e a crítica dela. Na perspectiva pragmática, em termos de finalidade, podemos verificar a exigência sobre o intelectual de mudar a realidade em que está imerso. Assim, ocorre toda uma articulação entre teoria e prática, havendo pouco espaço para a filosofia especulativa no território nacional, lembrando, claro, da Metafísica.

Entre as minhas perspectivas, dentro de um país em que até o saber mínimo, o básico, é precário por parte das pessoas, devido às deficiências da educação, falar sobre a Filosofia sempre será uma tarefa de coragem, mas, sobretudo, uma tarefa muito necessária. É preciso atentar, acho importante ressaltar isso, não apenas falar sobre temas filosóficos, mas, na concepção aristotélica é preciso saber, e bem, o que a coisa é, é preciso entender a realidade tanto a do próprio filósofo, a autocrítica, como dos leitores. É preciso estabelecer um diálogo, uma dialética de igual para igual, remetendo ao legado que Sócrates nos deixou.

Enfim, fiz este texto para até mesmo abrir mais a janela desta discussão e, como já ressaltei, é importante a janela do diálogo estar aberta. Quem quiser conversar mais sobre, estou disponível. É sincero falar que, às vezes, até pensamos na falta de valorização que enfrentamos, mas isso jamais será um motivo para desanimar, visto que filosofamos pela exigência do nosso Dáimon.

"Bento Prado de Almeida Ferraz Júnior (21/08/1937-12/01/2007) é professor emérito do Departamento de Filosofia da USP. Foi aluno de Victor Goldschmidt e Gilles-Gaston Granger, tendo se tornado livre-docente em 1964 com a tese "Presença e campo transcendental - consciência e negatividade na filosofia de Bergson". Cassado em 1969 pelo AI-5, ficou em exílio até 1974 na França, onde escreveu seu livro sobre a retórica de Rousseau. De volta ao Brasil, deu aulas na PUC-SP e, a partir de 1978, na Universidade Federal de São Carlos, onde trabalhou até o final da vida."

(Fonte: página pessoal do autor no Facebook).


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sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Charlie Hebdo- por que defendo a liberdade de expressão?



A liberdade de expressão, aliada com outros quesitos, como a garantia dos direitos das minorias sociológicas são aspectos primordiais de um regime democrático. Opinar sobre questões políticas, religiosas, morais é um direito de todo indivíduo livre e que exerce os seus direitos como cidadão. A mídia, seja ela tradicional ou social, também tem como garantia o direito à livre-expressão e, além do mais e isso é um aspecto de elevada importância: formar opiniões nas pessoas através de seus discursos, muitas vezes ideológicos. As mídias, assim, veem a sua liberdade enquanto veículo de comunicação sendo garantida.


Apesar da liberdade de expressão ser um direito garantido pela constituição dos países democráticos, há ainda grupos extremistas que são capazes de questioná-la, podemos citar como exemplo a extrema-direita, quando vê críticas relacionadas à sua posição ou grupos fundamentalistas religiosos (vale lembrar que certos grupos de esquerda também não escapam dessa condição). Muitos discutem o que é liberdade de expressão e o que é “libertinagem de expressão”, dizem que há limites para poder se expressar, algo que concordo somente após analisar e muito as circunstâncias. Recentemente, essa discussão veio à tona com destaque após o atentado terrorista ao jornal francês Charlie Hebdo. Vamos analisar mais minuciosamente esse caso.

Terrorista executa friamente policial que fazia a segurança do prédio do Charlie: forte atentado
contra a liberdade de expressão
O fundamentalismo islâmico, assim como o de outras religiões, como o cristão, é caracterizado por uma compreensão literal das literaturas sagradas, bases dessas religiões. Recaindo em um fanatismo sem ordem, esses grupos ao invés de buscarem se defenderem por acordos pacíficos, como os estabelecimentos de diálogos para esclarecer a situação difamatória, repressora ou satírica na qual foram inseridos, buscam por meio da violência atender as provocações. Contrariamente do que muitos pensam não é uma contra-violência, similar a do explorado contra o explorador, e sim uma violência desmascarada, pois, como no caso do jornal francês, uma cartum jamais poderia ser repudiada de tal forma, ou ‘vingado’ como disseram os terroristas, já mortos. Isso é ferir um princípio democrático, esquecendo que um diálogo pode ter mais poder do que a intensidade da explosão de tiros e bombas, atingindo muitas vezes quem estava à parte.


Sócrates foi condenado à morte injustamente devido aos seus ensinamentos, o que contribui para a aversão que Platão possuía em relação à democracia ateniense; Aristóteles precisou sair de Atenas e buscar refúgio; Voltaire teve obras queimadas; Sartre foi ameaçado enquanto protestava em Paris e, também contemporaneamente, cartunistas foram mortos cruelmente. A repressão demonstrou que ela permanece. Até quando o diálogo dará lugar a atos violentos e à ameaça. Até quando o pensamento crítico será reprimido?


Todos nós temos o direito de discordar dos cartuns, mas o dever de reconhecer a necessidade da liberdade de expressão, até porque o direito de discordar também é dado por essa última.


Ficam as minhas considerações.

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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Breve e amigável consideração sobre a “Carta a Meneceu”

Epicuro (341.270 a.C.)


 Epicuro foi um filósofo grego nascido na ilha grega de Samos, em 341 a.C. cuja cidadania ateniense herdou de seu pai, sendo essa cidadania herdada algo de sua ostentação. Ele foi educado massivamente no platonismo, sobretudo com Pânfilo. A “Carta a Meneceu” é um escrito de Epicuro para o seu discípulo, de nome Meneceu. Sinceramente, nesses 4 períodos que cursei da graduação em Filosofia, este foi um dos textos mais tocantes aos meus sentimentos e à minha racionalidade, vale ressaltar, principalmente quanto à consideração sobre a morte, que abordaremos a seguir.

Podemos dizer que Epicuro, ao falar sobre a morte para Meneceu, apresenta um “remédio contra o temor da morte”, visto que ela é considerada pelos homens o mais aterrador dos males, fazendo eles entrarem em pânico em relação ao fato de que um dia “perderão” as suas próprias vidas ou que pessoas muito próximas a eles, como amigos ou parentes venham um dia a perder, o que, de fato, ocorrerá. Assim, o filósofo grego irá desestruturar todo o significado negativo atribuído à morte pelos seres humanos. Definindo-a, nada mais nada menos, como a ausência de sensação, ele dirá que ela nada significa nem para quem vive nem para quem já faleceu pela circunstância de não estar presente aos primeiros e estes, quando já mortos, não estarem presentes a ela. Quem é sábio, nessa concepção, não reclama da vida e nem tem medo de perdê-la, pois perdê-la não é um mal, pois a vida é dada pelos sentidos e eles são as causas dos mais terríveis males para o ser humano, diferentemente da ausência deles, na qual nós estaremos livres de tudo aquilo que venha nos deixar aflitos.

Quanto ao prazer, Epicuro visa à qualidade em detrimento da quantidade vendo o homem numa busca incessante para satisfazer os mais inumeráveis desejos que as sensações provocam nos seres humanos. Por esta via é necessário controlá-los, visto que há muitos prazeres que podem trazer dor e há dores, por sua vez, que podem trazer prazeres muito gratificantes para o bem-viver humano. Contemporaneamente, há a crítica de Sartre à concepção epicurista de desejo, para o filósofo francês, Epicuro acertou e errou ao mesmo tempo ao abordar esse tema, visto que, realmente, o desejo é um vazio, mas nada o suprirá, sendo o homem sempre um escravo dele, nas palavras de Sartre em “O Ser e o Nada”: 

"Assim, Epicuro está ao mesmo tempo certo e errado: por si mesmo, de fato, o desejo é um vazio. Mas nenhum projeto irreflexivo tende simplesmente a suprimir esse vazio. Por si mesmo, o desejo tende a perpetuar-se; o homem se apega encarniçadamente a seus desejos. “O que o desejo almeja é ser um vazio preenchido que forma sua repleção assim como um molde forma o bronze vertido dentro dele”."

Para concluir, eu expresso totalmente a minha sincera gratidão a esse texto e ao professor Edson Peixoto de Resende Filho, da Filosofia da UFRRJ, que me presenteou com o próprio livro. Esse livro, principalmente na consideração sobre a morte me fez superar ainda mais a morte do meu pai, um sério acontecimento que enfrentei no Natal de 2013 e pelas lembranças ao longo deste ano de 2014 que se finda. Valeu a lição!

“Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é totalmente nosso, nem totalmente não nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda a certeza, nem nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais”.

Epicuro; “Carta a Meneceu”; página 33; Editora Unesp.

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sábado, 4 de outubro de 2014

A postura niilista diante das eleições: razões que a justificam


Durante toda essa época eleitoral, presenciamos seja na mídia tradicional ou na mídia social, propagandas com as mais variadas propostas: a esquerda não muito evoluiu de um discurso arcaico baseado no marxismo da velha guarda, a direita conservadora fala em uma ‘família tradicional’, mas a explica de forma muito superficial, mas a defende a unhas e dentes a ponto de levantar discursos injuriosos quanto às minorias e partidos de centro-direita e centro-esquerda não escondem que possuem lá seus interesses com os empresários de plantão, isto é, os banqueiros e os donos de empreiteiras, enquanto o IBOPE comanda a intenção de votos de muitos através de suas pesquisas. Quanto mais essas características se acirram, mais difícil fica o ato de votar, aliás, no nosso país ele não é fácil, pelo contrário, é árduo.


Quando mais jovem, quando não podia votar, eu, ingenuamente, possuía um entusiasmo para poder ter esse momento, aliás, qual criança e adolescente não quer ter o direito de fazer algo que os adultos reverberam? Eu notava que havia uma necessidade, por minha parte, de interferir no processo através da minha escolha, mas ficava inviabilizado. Agora, passado um tempo, e tendo atingindo maturidade mental e também adquirindo maturidade filosófica vi como, de fato, é um processo árduo a escolha de candidatos, do qual as pessoas tanto reclamavam quanto a essa tal situação. Recentemente  defendo que esse processo acaba por conduzir a um niilismo, um termo que, como conhecemos, é muito atribuído a Nietzsche, aludindo a uma “desvalorização dos valores”. “Mas, Daniel, assumir uma desvalorização diante dos valores das eleições”? Isso não é estranho? Bem, por mais que tentamos evitar, é impossível não ser tomado por esse “niilismo eleitoral”, mas vejamos melhor as razões para que ele ocorra.


Já notamos que a eleição caminha para o chamado “mais do mesmo”: os candidatos de ponta de tabela nas pesquisas pouco buscam ir ao foco principal de problemas existentes a serem resolvidos. Peguemos a área da Educação, por exemplo: o foco é o investimento no ensino técnico, o tão famoso PRONATEC proclamado pelo PT e não a chave de solução: o salário dos professores, os míseros 9 reais a hora-aula ou como colocou o candidato Eduardo Jorge, do PV, no último debate, na Rede Globo: “os dois salários mínimos”, respondendo e muito bem no diálogo com a presidente e candidata à reeleição, Dilma Rousseff. A política do Brasil reflete um exagero na demagogia, na insegurança, nas contradições e muitos candidatos parecem ter medo de ir mais à frente e, isso, não apenas no cargo de presidente, para deputado federal e estadual, senador e governador. Como não assumir uma proposta desvalorizadora dos valores morais e eleitorais levantados por eles? Impossível! Votar não ficou estritamente como uma escolha de um bom líder, mas sim uma escolha por gosto, só por simpatia “com a cara” de um candidato. Fora o fato tão questionado pelas pessoas, até por leitores meus, de vivermos em uma dita "Democracia", mas todos nós sermos obrigados a ir às urnas, além da propaganda eleitoral ser veementemente obrigatória. O que será isso? Uma contradição? Uma má-fé para com os preceitos democráticos? Mas sabemos que se votar, fosse um ato optativo, provavelmente poucos iriam às urnas. Essa é uma das respostas! Sabemos!


Alguns podem objetar que eu, filosoficamente, queira uma utopia, algo raro de acontecer, visto isso ser um problema sem solução para o país. De fato, é impossível pensar em um Estado como o elaborado por Platão ao longo dos livros d’A República, ainda mais quanto à Educação (só a utopia mesmo está resolvendo, convenhamos) e ao rei-filósofo como governante, a ideia do estado ‘igualitário’ de Marx fica descartada das minhas intenções, pois suas tentativas de implantação foram para o ralo muitas vezes ao longo da História, basta que nos movermos para pesquisar um pouco mais sobre o assunto. Mas, que tal pensar em uma utopia? Devemos ter em mente que mesmo vigorando o que vigora hoje, politicamente, isso nunca é o ideal? É difícil conceber, na realidade que vivenciamos, um governante tão virtuoso como o meio-termo de Aristóteles, isso não podemos negar.


Assim, negar à adesão ao pessimismo ou desvalorização de valores levantados pela política não é algo estranho, é até peremptório, decisivo, vejamos às razões levantadas: às vezes assumimos a postura de Sartre no século XX denunciando algo que é “burguês”, outras vezes, como Aristóteles, buscamos o meio-termo ou como Platão, tentamos recorrer à utopia, mas o pessimismo retorna, visto que ela é inviável. Creio que o leitor também sente isso e que somos obrigados não a buscar ‘o melhor’ em termos da política, mas o “menos pior”, infelizmente.

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segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Considerações sobre a necessidade da Metafísica no Existencialismo Sartriano



Estamos cientes que o “O Existencialismo é um Humanismo”, uma conferência adaptada por Sartre ao público leigo em filosofia, para expor o básico dos princípios existencialistas, além de defendê-los das críticas feitas com afinco por parte de católicos e marxistas da primeira metade do século XX, foi uma obra básica, cabível a introduções ao tema. Sartre foi o único filósofo a aceitar que sua doutrina fosse intitulada como “Existencialismo”. O meu foco, neste texto, será o “O Ser e o Nada”, uma obra magna de Sartre, onde ele expõe temas que são as raízes da filosofia existencial, da psicologia e da psicanálise existencial dentro de um caráter muito mais aprofundado. Além, é claro, de traçar o paralelo com a metafísica, a ciência de tudo o que é enquanto é.



Dentro da metafísica, a aproximação de “O Ser e o Nada” é em relação aos modernos, à metafísica moderna, entre eles, Descartes, e a famosa dicotomia sujeito-objeto. De acordo com as nomenclaturas expostas no livro, o sujeito é, ao mesmo tempo, Em-si-Para-si, isto é, concomitantemente, ele é, de acordo com a fenomenologia, uma influência que adveio de Husserl, um objeto que aparece à nossa percepção, tido como Em-si, no mundo, e a nossa capacidade psicológica é incapaz de alterá-los. Já o Para-si, é a consciência, isto é, dotado de intencionalidade, o que nos constitui por sua projeção ao que nos é exterior, assim somos o que não somos e não somos o que somos, visto que a consciência não possui uma capacidade de repleção própria, a não ser projetando-se ao mundo com constância para ‘ser’ algo, eis a maior explicação para a máxima de Sartre: “O Homem está condenado à liberdade”. Ela é fundamento de seu próprio nada. Quando explico esse tema aos meus leitores costumo fazer uma analogia com uma frase que elaborei: O Para-si projeta-se aos fenômenos do mundo assim como o vento dirige-se aos galhos de uma árvore e, ao balançá-los, demonstra a sua existência.


Algo que não pode ficar de lado ao se falar da estrutura do existencialismo é o papel relevante da ontologia, esta, usuária do método fenomenológico. Para ela, a intuição vale para descrever a estrutura tanto do Para-si quanto do Em-si. A percepção, na fenomenologia, tem um importante papel ao falarmos na transcendência. Quando focalizamos o nosso olhar em um objeto, notamos as suas características por um fator: ele é transcendência transcendida. O Em-si é algo transcendente, isto é, a apreensão de seus atributos se dá por via de sua ida à consciência em que esta, ao mesmo tempo, é preenchida e esvazia-se. Em-si e Para-si estão separados por um quesito, e ele compõe o título da obra magna de Sartre: o nada.


A metafísica, captando as definições anteriores de Aristóteles, uma ciência de caráter ineludível, incontornável, permeia as suas buscas em questões originárias, a saber: cabe a ela investigar o surgimento do Para-Si pelo Em-si e o sentido de tal aparição, de tal surgimento. Podemos atribuir a ela o mesmo valor dado por Aristóteles, de uma ciência parasita, pois aqui ela também pode verificar a aplicação do princípio da não-contradição (uma coisa não pode ser e não ser sob o mesmo aspecto ao mesmo tempo) ou o princípio do terceiro-excluído (uma afirmação é apenas verdadeira ou falsa, não havendo um terceiro valor de verdade para a mesma). O Para-si é capaz de abstrair os elementos presentes no mundo ao mesmo tempo que os outros também podem nos apreender, visto que também somos ser-no-mundo, utilizando-se da terminologia heideggeriana: Dasein.


Ser-no-mundo é estar lançado nele, implicando questões éticas e morais, visto que o mundo é um verdadeiro campo de ação. E o existencialismo de Sartre, mesmo por ser caracterizado como ateu, não elimina Deus totalmente da jogada, ao menos a sua ideia, visto que a existência da ideia de Deus é o mínimo necessário, funciona como um pré-requisito, uma figura perfeita onde os considerados “bons valores” proclamados pelo homem podem fazer referência, entre eles a honestidade e a caridade. O homem, ser corruptível, não poderia servir como uma referência aos valores ético-morais seguidos pelo homem, que pela liberdade, pelo ato individual, podem ser a quaisquer momentos rompidos. Isto simplesmente demonstra que a filosofia existencial vai para além da metafísica e da ontologia, adentrando na filosofia moral.


Enfim, faço aqui um pequeno esboço e que por via da ampliação do diálogo, maiores e melhores trabalhos possam ser feitos. Visto que a filosofia é assim, com ela damos o ponta- pé inicial e por via do estudo, sem deixar de lado a investigação conjunta acompanhada do elenkhós socrático, aprendemos, redescrevemos, reconstruímos e formulamos nossas teses. E, em relação ao existencialismo sartriano, já disse Gerd Bornheim, um expoente dessa corrente filosófica e professor falecido da Filosofia da UFRJ: “O Existencialismo é das doutrinas mais características de nosso século”.

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domingo, 20 de julho de 2014

O tratado das Categorias de Aristóteles: as duas ambiguidades apontadas e a possível forma de interpretá-las

Aristóteles
   

O tratado das Categorias de Aristóteles é cerceado por diversas especulações, entre elas podemos citar a dificuldade dos estudiosos de compreender a sua inclusão no Organón, ou seja, o conjunto aristotélico de obras lógicas, estando entre elas, por exemplo, Os Primeiros e os Segundos Analíticos, Os Tópicos e as Refutações Sofísticas. A dificuldade dessa compreensão está no fato de o Categorias apresentar uma doutrina mais metafísica do que lógica, vide a discussão acerca da substância, no capítulo 5, e de suas qualidades. Outra discussão é acerca de sua autenticidade, visto que alguns comentadores o consideram uma obra apócrifa, Suzanne Mansion aponta essa opinião em um artigo. Já enquanto outros consideram o tratado uma obra de juventude. Conforme apresentado no título, discutirei as duas ambiguidades que têm movido as investigações de pesquisadores na busca de uma compreensão das mesmas. Mas quais são essas tais “ambiguidades”, quais são as prováveis causas delas? E quais são as suas devidas implicações?


Bem, vamos às ambiguidades: a 1ª é a falta de certeza se Aristóteles está a classificar símbolos ou o que esses símbolos representam: palavras ou, em um sentido genérico, coisas e, a 2ª, é a incerteza se o estagirita está a classificar predicados ou termos em geral, incluindo sujeitos. Após discutir o que são homônimos, parônimos e sinônimos, no capítulo 5, na discussão da substância, dividida em primeira, sujeita de predicações, e segunda, as predicações, de acordo com o trecho:



Substância- aquilo a que chamamos substância de modo mais próprio, primeiro e principal- é aquilo que nem é dito de algum sujeito nem existe em algum sujeito, como, por exemplo, um certo homem ou um certo cavalo. Chamam-se substâncias segundas as espécies a que as coisas primeiramente chamadas substâncias pertencem e também os gêneros dessas espécies. Por exemplo, um certo homem pertence à espécie homem, e animal é o gênero da espécie; por conseguinte, homem e animal são chamados substâncias segundas”.

Categorias, 4 (1b25-2ª4)

O que podemos disso inferir? A que ele se refere, de fato? Às palavras ou às coisas que elas representam? Não podemos inferir nenhuma conclusão absoluta de imediato, visto que não sabemos se Aristóteles está se referindo, em um contexto não técnico, a uma expressão linguística ou a um atributo. E, de mesmo modo, a forma como o filósofo apresenta a sua doutrina das expressões simples e compostas, dizendo: “Expressões que de modo nenhum são compostas significam substâncias” (Categorias, 4 1b25) dá a entender, por meio deste momento, que ele está a pensar em símbolos. Voltando a escrever acerca do sujeito ao diferenciar as formas verbais simples e compostas: ser e estar.



Mas, Daniel, quais são as causas das tais ambiguidades que você fala?


A certeza é quase certa de que Aristóteles estava ciente do caráter ambíguo da sua obra que levantou as dificuldades entre os seus comentadores. Lógicos e filósofos apontam dois dispositivos da linguagem, que pela ausência na língua grega, tenha gerado o duplo sentido: o uso das aspas e a livre invenção de substantivos abstratos: está o estagirita a dizer que “homem” é predicado de indivíduo ou que “humanidade” é predicado de indivíduo? Esta deficiência da língua grega já tinha originado confusão na filosofia de Platão e invadiu as traduções latinas das obras de Aristóteles e, aludindo à filosofia medieval, ocasionou problemas quando Tomás de Aquino foi discutir a Questão dos Universais.


E aí? Há soluções?



Se Aristóteles pudesse responder às interrogações dos comentadores, é quase certo que ele responderia que está a examinar coisas e não apenas palavras, isto é bem claro quando ele faz a diferenciação entre ser predicado de algo ou estar em algo, assim como ele discorre na caracterização da substância, demonstrada no trecho supracitado do capítulo 5. Por outra via, Porfírio apresenta uma solução cabível para a 1ª ambiguidade: “Por que como as coisas são assim são as palavras que as representam”. Aristóteles está classificando os tipos diferentes de seres existentes e utiliza as diferenças entre uma expressão linguística e outra para diferenciá-los.




A solução para a 2ª ambiguidade advém da solução da 1ª, isto é, já visto que Aristóteles está a classificar tipos de seres, então não interessa para ele se eles estão na posição de sujeito ou de predicado. Essa discussão surge pelo uso, por parte dele, da expressão “predicado” para relacionar a substância primeira com os seus atributos que, como vimos, dependem dela para existir. As diferenças entre as suas respectivas categorias expressam isso quando ele diz: “Isto é homem, “isto é branco”, etc. Porém esta interpretação acaba por restringir, e muito, o que Aristóteles quer ter em vista: “O branco é uma cor”, “A justiça é uma virtude”, “A virtude é uma disposição”, etc.  


As pesquisas...


Continuarei as pesquisas, pois como sabemos estudar um filósofo e compreendê-lo não é uma tarefa imediata e, também o conhecimento não se dá por improviso. Ainda mais em um conjunto tão complexos de obras como a de Aristóteles. É mesmo comum as pessoas pegarem mais gosto pela leitura de Platão, devido a uma escrita digamos “mais suave”, visto que os textos aristotélicos, em boa parte são anotações de aula, por isso seu caráter mais complexo. Mas, lembremos: nenhum filósofo, por questões tão parcas como essas, deve ser posto em detrimento em relação ao outro.

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